As várias faces dos celtas

s celtas não formavam uma cultura homogênea na composição, mas sim constituíam a reunião de várias tribos dotadas de seus próprios traços culturais que eram acentuados ou mitigados na diferença segundo distanciamento geográfico de um grupo tribal em relação ao outro bem como também pelo grau de ´intercambio cultural´ efetuado com outros Povos.

Assim, tínhamos por exemplo tanto celtas mais romanizados nos seus costumes quanto germanizados em seus hábitos pelo simples fato de uma tribo em particular em suas fronteiras estarem mais em contato seja respectivamente com romanos ou germanos, o que ao final também gerava suas repercussões no relatos míticos, costumes, organização social e etc.

Nesta perspectiva os celtas surgem como um povo resultante da fusão sucessiva de culturas e etnias que ao longo do tempo geraram uma mitologia de forte traço ´´sincrético´´, muito embora isto suceda como produto de todo um ´arranjo ´´ bem peculiar nos relatos míticos célticos onde lendas de outros povos com quem travaram contato deixam sua marca de maneira quase sub-reptícia .

Ao final este processo ocasionou a formação de dois grandes grupos de cultura céltica que podem ser identificados genericamente como sendo ´´celtas continentais´´ e ´´ celtas insulares´´ onde no primeiro grupo vemos os primeiros focos de imigração partindo da Europa central em direção ao que corresponde o oeste e sul do Rio Danúbio para povoar o continente europeu e no segundo plano mais tarde saindo da Península Ibérica rumo ao litoral Atlântico e as ilhas britânicas.

Observando que uma vez os celtas chegando as ilhas britânicas isto rendeu um isolamento geográfico considerável as tribos que lá ficaram estabelecidas e deitaram raízes de um modo que de maneira concreta um grupo étnico dali evoluiu fazendo tornar realidade ao menos culturalmente a noção de nacionalidade mais adiante para os escoceses e irlandeses . Uma conquista que celtas continentais não lograram conquistar em outras paragens, naufragando engolidos num processo de gradual perda de identidade que o fizeram desaparecer como cultura na poeira da História.

Derrubando falsas concepções

ão é possível falar a respeito das origens míticas da Irlanda sem citar de passagem os Tuatha Dé Dánnan e seus feitos fantásticos, porém, nada também menos espinhoso do que buscar mais detalhes a respeito deste misterioso povo que as lendas dão conta possuírem poderes mágicos, força descomunal e habilidades sobre-humanas que os faziam serem vistos como divindades.

Aliás, a explicação corriqueira usada é que os Tuatha Dé Dánnan são ´´deuses celtas´´ e nesta perspectiva muitos seguem a linha de definir atributos divinos a cada um deles e firmar uma espécie de panteão de deuses e deusas onde cada qual fica ocupado de desempenhar certas atribuições no plano espiritual em nome dos mortais que figuram como seus devotos adoradores

Nada mais óbvio que situando as coisas neste plano de encarar os Tuatha Dé Dánnan como divindades que tivesse presente entre os celtas toda uma ritualística para que esta devoção fosse expressa seja a partir da construção de templos , algo assemelhado como sacerdotes apareçam para guiar o culto , objetos de caráter sacro sejam criados e etc.

Já adianto que nada existe de mais equivocado do que esse tipo de visão e não serei eu aqui para perpetuar este erro, isto é, simplesmente não há o menor sinal dos celtas encarassem os Tuatha Dé Dánnan numa perspectiva religiosa ´tradicional´ ( leia-se greco-romana ) com templos, estátuas, sacerdotes e tudo mais.

De fato é algo totalmente arbitrário mesmo definir que este ou aquele Tuatha Dé Dánnan fosse ligado a certo atributo que definia sua essência como ser divino tal como existisse um ´deus da guerra´´ como foi Marte para os romanos , seja uma ´´deusa do amor´´ tal como foi Afrodite para os gregos e assim por diante.

Igualmente , não havia uma hierarquia entre os Tuatha Dé Dánnan além daquela que obviamente é existente em qualquer sociedade fundada no primado da autoridade e dividida socialmente de alguma maneira ( seja em castas, estamentos ou classes ), significa dizer que não existia algo assemelhado a um ´´rei dos deuses´´ aos quais os demais estivessem submetidos ao comando .

Em grande parte toda esta visão equivocada prosperou por conta de que os primeiros relatos a respeito dos celtas em suas crenças foram feitos por gregos e romanos, isto é, invocar analogia as próprias crenças era o caminho mais seguro e fácil de explicação de modo que ver Lugh como uma versão céltica de Apolo, Morrigan como Diana e etc comecaram a surgir em narrativas aqui e acolá .

Aliás, o fenômeno de deturpação não parou no gregos e romanos, seguindo com ascensão do cristianismo que passou a ver as divindades célticas como demônios ou santos segundo bem fosse o razão da conveniência ou mais no tempo presente com os New Age descrevendo eles como fossem hippies dos tempos antigos.

Deuses com face humana

uitos se surpreendem em relação ao fato dos Tuatha Dé Dánnan nos relatos míticos célticos não viverem numa espécie de versão céltica do ´Monte Olimpo´ e muito pelo contrário mesmo levavam um cotidiano tão comum como de qualquer outro ´´mortal´´apesar de seus ´dons sobrenaturais´, ou seja, eles tinham que caçar , pescar e plantar se quisessem poder comer alguma coisa.

De fato mesmo a aparência dos Tuatha Dé Dánnan não era aquela coisa toda asséptica e certinha de ficar sempre com vestes de puro linho branco enrolados no corpo como uma espécie de toga improvisada . Para se ter uma idéia , por exemplo, Morrigan invariavelmente envolvida em brigas normalmente podia ser de antemão notada em sua chegada por seu forte mal cheiro.

No tocante das vestimentas ( ou melhor dizendo na falta delas ) dos Tuatha Dé Dánnan era mais comum andarem semi-nus com tiras de couro curtido amarrado e entrelaçando sobre partes do corpo que era totalmente tatuado com figuras geométricas e pintado da cabeça aos pés. Para se ter uma idéia se muito usavam peles de animais nos dias de mais frio.

Interessante observar, ainda pensando em paralelismo com o mundo mítico grego, havia uma versão própria de ´´ambrosia´´ para os Tuatha Dé Dánnan que assumia a forma do anual ´´Banquete das Eras´´ que era acompanhado com uma bebida de mágicas propriedades ( a cerveja Gobniu ) onde segundo parece estava origem de seus ´´super-poderes´

Agora mesmo com todo este ´reforço mágico´ de vigor e poder místico conferido pelo ´´Banquete das Eras´´, não eram os Tuatha Dé Dánnan invulneráveis e imortais. A citar o caso de Nuada, um dos seus reis, que em um combate teve seu braço direito amputado e posteriormente foi morto na Batalha de Moytura Setentrional .

Aliás, mesmo depois de um tempo absurdo, em comparação aos padrões meramente comuns de existência humana, chegava um momento que também os Tuatha Dé Dánnan envelheciam e até onde se supõem morriam como qualquer reles mortal.

Assim, se chega a conclusão que ou bem os celtas tinham uma visão bem estranha do que fossem ´´deuses´´ ou soa bizarro que os Tuatha Dé Dánnan sejam encarados como divindades diante das caracteristicas tão peculiares que possuiam.