Canal Celta: 01/2007

28.1.07

A cristianização da Escócia e Irlanda



As províncias rebeldes do império

a Escócia e Irlanda o cristianismo chegou de maneira tardia face a Bretanha e o processo de cristianização se operou de uma forma bem particularizada já que se os romanos foram instrumentos mesmo que involuntário para chegada da religião nas terras dos bretões-celtas enquanto para além dali não aconteceu o mesmo em razão do fato das possessões romanas nas ilhas britânicas ficarem restritas geograficamente ao sul e o centro ( Inglaterra e País de Gales ) a que designavam como ´´Bretanha´´ , enquanto ao norte e oeste ficavam as ´províncias rebeldes ´ de ´Caledônia´ e ´Hibérnia´ ( Escócia e Irlanda )

Apesar de nomeadas como suas províncias nunca o Império Romano logrou estabelecer um domínio pleno seja na Escócia ou na Irlanda, acabando por transformarem numa espécie de refúgio dos celtas as perseguições romanas na Bretanha que se bem nasceram por motivações políticas para firmar a autoridade imperial na região com tempo depois assumiram conotações religiosas quando o cristianismo ( ou melhor a vertente cristã-romana : o catolicismo ) passou a vislumbrar os druidas como inimigos da emergente Igreja Católica enquanto esta buscava ascender em destaque em Roma.

Assim , tudo indicava como resultado provável de que a Escócia e Irlanda em seu isolamento geográfico peculiar e franca hostilidade para com estrangeiros terminasse a longo prazo como civilização figurando como ´ um mundo à parte´ na Europa tanto fora da influência do Império Romano quanto também imune a Igreja Católica que atuavam juntos gerando na época uma verdadeira revolução nos valores e costumes entre os povos europeus.

Não que a Bretanha mesmo como província romana estivesse tão longe assim da realidade de ´´distanciamento´´ da Escócia e Irlanda, só que este isolamento se deu bem mais tarde quando o Império Romano deixa para atrás as ilhas britânicas enquanto para escoceses e irlandeses este processo já deu seus primeiros passos quando o primeiro romano botou seu pés naquele pequeno arquipélago, ou seja , alguma coisa em termos de influência foi legada culturalmente aos bretões de uma maneira como nunca chegou a ser feita entre escoceses e irlandeses.

Surpreendente é verificar que toda uma tendência histórica diria até lógica de causualidade nos eventos foi burlada graças a intervenção pontual e bem planejada de um trabalho missionário promovido pelo papado em prol da Igreja Católica nas ilhas britânicas que em primeiro plano rendeu um combate a um certo ´desvio´ de doutrina nas igrejas da Bretanha e longo prazo surtiu em efeito em conversões até massa de escoceses e irlandeses ao cristianismo.

Neste sentido, o processo de cristianização teve como seus principais expoentes situados na figura principalmente de São Patrício pela Irlanda e São Columbano pela Escócia, sagrados justamente na condição de santos pela Igreja Católica num reconhecimento direto dos esforços missionários por eles promovidos.

Ocorre que este cristianismo levado por eles não é inteiramente ´´romanizado´´, o que faz gerar a criação do que chamam de um ´´cristianismo céltico´´ que depois é fonte de dor de cabeça para Igreja Católica.


São Patrício

Patrício nasce celta-bretão na condição de filho um diácono e neto de um padre numa modesta vila de onde saiu seqüestrado por piratas para ser vendido como escravo , condição que manteve por quase uma década até conseguir fugir para ter uma vivência em claustro e meditação no mosteiro de Ésir na Gália (atual França) voltado exclusivamente ao estudo das Escrituras e uma vida regada na oração.

Poderia Patrício permanecer um recluso e lá ter uma vida relativamente confortável até o fim dos seus dias no monasterio , só que em certo momento decide voltar justamente para Irlanda, terra de tão terriveis lembranças, com a firme convicção de seu dever de evangelizar os irlandeses.

Assim, por por volta de 461 chega na Irlanda e parte na sua árdua missão de missionário sem ter ninguém ao seu lado salvo suas crenças e a firme convicção de que aquele povo tem que entrar em contato com o cristianismo e abandonar seus antigos valores.

Revelando um hábil diplomata, um sagaz político e talvez um grande mágico, realiza proezas memoráveis que terminam gerando a admiração e respeito de cada vez mais pessoas que convencidas terminam optando pela conversão.

Como prova de seu sucesso em trinta anos teria segundo a Igreja Católica Apostólica Romana "fundado 365 igrejas, sagrado o mesmo número de bispos e ordenado 3000 presbíteros" ao ponto da Irlanda ficar conhecida como ´´ "Ilha dos Mosteiros" ou ainda de ´´Ilha dos Santos ´´ .

Ocorre que Patrício seguia ritos, um calendário liturgico e uma doutrina que pouco tinha haver com o defendido pelo clero católico . Nesta linha vemos que ele entre outras coisas realizava batismos apenas de crentes confessos adultos e por meio de imersão , declara a rejeição ao dogma da transubstanciação durante a Eucaristia , não ministra a extrema unção a doentes e moribundos, nunca realizou a confissão e a absolvição sacerdotal e jamais instruiu seus convertidos a prestar homenagens a Maria .

Por seu lado as igrejas fundadas por Patrício na Irlanda fogem totalmente do que a concepção católica estipula em termos de hierarquia , a citar o exemplo que ´´bispo´´ não figurava como um chefe sobre várias igrejas em diferentes paróquias e sim como simplesmente como o pastor de uma congregação.

Estes são apenas uns parcos exemplos, mas fato era que as coisas se encaminhavam para um cisão entre as Igrejas da Irlanda e seu clero face a Igreja Católica Apostólica Romana e o Papa, o que foi contornado com muita concessão mútua a partir do Sínodo de Whitby ( em 664 ).


São Columba

Oriundo da Irlanda , agora fortemente cristianizada pelas mãos de São Patrício, Columba desde cedo teve interesse despertado pela religião e vocação para o sacerdócio pelo qual optou em detrimento de ter uma vida de ócio e cheia de luxo tal como poderia desfrutar sem maior dificuldade já que era membro da família real irlandesa.

Agora as surpresas não param por aí na sua biografia, posto que Columba opta não por ocupar um alto cargo no clero da Irlanda ao sabor da influência política de sua família mas sim deseja ir para Escócia, território que está logo ali praticamente do lado da Irlanda, onde justamente todo missionário era barbaramente morto sem dó ou piedade !!

Mesmo sem conseguir apoio financeiro da família no ano de 563 toma a iniciativa de partir num modesto barco ao lado de 12 companheiros em direção da ilha de Iona ( ou Icolnkill ) nas proximidades do litoral da Escócia com os quais forma um corpo religioso monástico do qual assume líderança na condição de abade e seus seguidores assumem o nome de culdees. ( derivado do latim cultores Dei / adoradores de Deus )

Os culdees prestavam voto apenas de obediência, ficando livres de além disto serem compulsariamente celibatários e pobres como exigiam as outras ordens monásticas. De outra maneira significa que tinham os monges de trabalhar e muito para tanto manter em pé o monastério de Iona quanto assegurar o próprio sustento e da sua família.

Aliás, as familias dos culdees com tempo ficam tão numerosas que são forçados a abandonar o mosteiro para partir no sentido de colonizar uma pequena ilhota nas cercanias de Iona a que passam chamar de Eilen nam ban / Ilha das Mulheres onde residiam os monges com suas esposas e filhos quando não estavam envoltos nos trabalhos internos da ordem.

Com o tempo os monges vencem também a resistência oposta inicialmente logo na chegada de São Columba na ilha, já que atuam dando ajuda aos doentes, comida aos famintos , educação as crianças e etc. e ao final contam de tamanho prestigio que são chamados para atuarem como ´´juizes´´ em disputas entre tribos e mesmo ungindo o rei dos escoceses ( Rei Aidan ) que convertido termina por ceder a ilha ao mosteiro e garantindo apoio militar e financeiro as suas atividades missionárias para além dos estreitos limites daquela ilhota.

Ocorre que aquele não como negar que houve uma mescla entre as tradições druídicas e ensinamentos cristãos não muito romanizados, notadamente o forte personalismo da presença de São Columba na condução dos trabalhos missionário faz pensar que talvez fosse melhor falar de um ´´columbismo´´ do que propriamente um catolicismo como sendo fator de conversão no plano ideológico , mesmo porquê a figura do Papa como autoridade no máximo era só tacitamente invocada enquanto Columba fazia ali presente de carne e osso para resolver qualquer problema.

Muito provavelmente este ´´columbismo´´ serviu muito tempo depois como semente para o surgimento do presbiterianismo como Igreja oficial da Escócia, já que a estrutura de organização dos culdees não figura tão diferente assim do visto numa igreja presbiteriana.

Seja como for não houve no caso da Escócia a realização de um Sínodo como tábua salvadora que colocassem um ponto final nas divergências, sendo os culdees considerados heréticos e seu monastério em Iona destruído. Apenas se salvando a figura de São Columba talvez por injunções políticas feitas tanto por parte da Coroa Irlandesa quanto a Coroa Escocesa sobre a Igreja Católica.

21.1.07

A Cristianização da Bretanha.



o ano de 597 surge a figura de Agostinho de Cantuária ( ou "Santo Agostinho de Canterbury") que acompanhado por mais 40 monges no ano parte em direção da Inglaterra / Bretanha na intenção de promover a conversão da população ao credo católico.

A este tempo o druidismo já tinha sido extirpado da Bretanha de forma violenta pelos romanos onde o ponto alto desta ´´inquisição´´ foi a destruição da cidadela druida na ilha de Mona ( atual Anglesey ) , um dos grandes centros do druidismo da época comparável ao que é hoje Jerusalém para judeus ou Meca para os muçulmanos, tendo seus bosques derrubados, casas queimadas, altares postos abaixo e os druidas passados no fio da espada.

Por outro lado , desde por volta do ano de 410 os romanos tinham deixado a região e entregue os bretões a mercê da própria sorte que sem maiores defesas viam seu território invadido por todos os lados da fronteira : Eram os pictos ao norte, irlandeses ao longo do litoral oeste, jutos à leste e assim por diante.

Agostinho de Cantuária chega assim em um território imerso no caos e anarquia, onde as Igrejas Cristãs assentadas naquelas terras na prática só são nominalmente ´católicas´já que desde muito tempo tem seus vínculos cortados com o núcleo eclesiástico firmado em Roma e atuando com uma autonomia considerada ´perigosa´ pelo Papado. Havia um enorme cheiro de ´heresia´no ar.....

Acima de tudo a Bretanha está passando por um processo de descarecterização que a faz mais ser ´´ anglo-saxônica ´´ do que propriamente celta, fato que na prática ao menos culturalmente já era uma realidade mesmo antes de qualquer invasão anglo-saxônica visto que os bretões cederam de maneira generosa aos costumes romanos e abriram mão com facilidade dos costumes célticos quando estavam sob domínio do Império Romano.

Havia assim de fundo na Bretanha em andamento um processo todo particular de estruturação da identidade nacional que somado com o isolamento das Igrejas Cristãs face a autoridade papal chegou a constituir um esboço do surgimento de um ´´cristianismo anglo-saxão´´ que foi depois abafado com muito trabalho missionário bem direcionado pela Igreja Católica, só que esta situação mesmo que incipiente em muito deve ter contribuido depois para dar base ao surgimento do anglicanismo como religião oficial da Inglaterra em um futuro distante.

14.1.07

A cristianização das ilhas britânicas


s lendas dão conta de viagens realizadas até as ilhas britânicas por expoentes do cristianismo tais como Paulo de Tarso, Filipe , José de Arimatéia, Maria Madalena e mesmo o próprio Jesus Cristo em sua adolescência, figurando no meio destes relatos alusões ao mítico Santo Graal e outras ´historinhas´ bem fantasiosas sem maior procedência na confirmação salvo a fé daqueles que a contam, figurando de fato a primeira menção registrada historicamente a cristãos na Grã-Bretanha no anti-semita ´Tratado contra os Judeus´/´Adversos Judaeos´ (202) de Quinto Septímo Florente Tertuliano ( 155-220) no qual faz referência ao local como um exemplo de zona geograficamente inacessível e onde mesmo assim supostamente já vigoravam os ensinamentos crísticos entre o Povo.

Agora ante a evidência de que havia a presença de ´´bispos ingleses´´ no Concílio de Arles (314) e Ariminum (359 ) figura como um claro sinal de que a Igreja em um corpo eclesiástico rudimentar já estava a esta altura então bem organizada ao menos na Bretanha ( Inglaterra ) por volta lá do fim do século III d.C. , seguindo a expansão do movimento religioso nas ilhas britânicas em razão direta também da expansão do Império Romano.

De outra forma significa dizer que antes mesmo do Cristianismo tornar-se a religião oficial do Império Romano (380) já estava a doutrina cristã presente na região de maneira pontual, porém, seria um ´´cristianismo´´ mais aproximado das infuências pagãs ( cotejadas de perto pelo Imperador Constantino que oficializou o culto cristão entre romanos ) do que qualquer outra coisa.

De fato houve combate a estas influências pagãs depois definidas mais claramente como ´´heresias´´ à luz de uma ortodoxia doutrinária que lentamente se estabelecia (com o Concílio de Éfeso em 325 ainda ao tempo do Imperador Constantino) e dava forma ao catolicismo.

Neste espírito surgiram várias empreitadas patrocionadas pelo Papado no sentido de promover a evangelização ao lado de dar combate ao julgado como ´heresia´ onde mais tarde os envolvidos foram elevados a ´´santidade´´, daí surgiram a figura ´São Agostinho de Cantuária´, ´São Columba´, ´São Columbano´, ´São Patrício ´ e tantos outras personalidades que foram destaque no processo de cristianização das ilhas britânicas.

Aliás, muitas vezes estes evangelizadores colocaram uma ´´marca´´ pessoal tão forte na pregação do cristianismo que não chega ser exagero em falar de um ´´agostinismo´´, ´columbismo´ e etc. já que havia leves discrepancias entre a visão deles e a assumida pelo alto clero como doutrina oficial do catolicismo.

De toda maneira no cair das luzes do Império Romano lá no século VI d.C as ilhas britânicas ficaram isoladas da autoridade papal e enquanto a região da Inglaterra estava sob influência de um ´´cristianismo romano´´ (o catolicismo) ou pelo menos ´´romanizado´´ o resto da região corre seu próprio curso dando um rumo totalmente diferente ao cristianismo na condição de movimento religioso.

Mais do que falar de um ´´cristianismo céltico´´ como sinal da presença de uma doutrina unificada e bem estruturada de valores cristãos e celtas, seria caso então de dizer da existência de formas diversas de movimentos religiosos de inspiração cristã entre os celtas. Como efeito , indo nos primeiros tempos as perspectivas mais ortodoxas de pensamento católico situar na região da Inglaterra enquanto as tendências mais ´criativas´( diriam alguns heréticas ) fixar residência para os lados da Escócia e Irlanda.

7.1.07

A Carta aos Gálatas


Galácia fez parte de uma das várias peregrinações realizadas por Paulo de Tarso (nascido cerca do ano 03 até 66 d.C ) ao longo da década de 40 d.C para divulgar o Cristianismo que figurava então como a mais nova religião a surgir naquela época. Rendendo como resultado ao final deste esforços em prol da evangelização a redação da ´´Epístola aos Gálatas ´´ que foi incorporada na Bíblia ao Novo Testamento.

Agora, não é algo de estranhar que a Galácia estivesse no meio das peregrinações paulianas haja visto que sendo Paulo natural de uma das cidades de Cilícia ( Tarso ) vivia desde cedo nas fronteiras daquele outrora reino céltico que como seu lar de origem tinha se convertido a condição de província romana . ( o que se deu no ano de 64 a.C, ou seja , bem depois da Galácia)

Não por menos, Paulo de Tarso em seu exercício missionário travou contato de inicio com os habitantes que lhe eram geograficamente mais próximos , a saber ao sul da Galácia quase na fronteira com Cilícia numa região originalmente de povos conquistados pelos gálatas e incorporados ao seu reino . ( em 25 a.C )

Mais tarde Paulo de Tarso chegou atravessar toda a Galácia na intenção de organizar igrejas sob a orientação do credo cristão e nesta condição é que surge a ´´Epístola aos Gálatas ´´( algo por volta do ano 55-60 a.C ) onde ele defende a tese da doutrina da justificação pela fé e tece várias considerações a respeito de como o cristianismo se revelava uma nova religião face ao judaísmo do que simplesmente situava como uma mera dissidência tal como figurava os fariseus, os saduceus e tantos outros .

Existem controvérsias a respeito do fato da ´´Epístola aos Gálatas ´´ foi escrita por Paulo de Tarso se dirigindo as comunidades cristãs do norte da Galácia, ao sul ou mesmo a toda província, porém, neste sentido é revelador a seguinte passagem em Gálatas 4, 10 onde é dito : ´´ Dais importância a dias , meses, estações e anos ´´

Ora fica óbvio deduzir que esta passagem da Bíblia na ´´Epístola aos Gálatas ´´ é uma observação que qualquer pessoa estranha aos costumes célticos faria ao ver como todo cotidiano era orientado segundo as estações do ano, fase da Lua e etc , isto é, casamentos, transações comerciais, ritos religiosos e tudo mais tinha seu ritmo ditado pelos ciclos da natureza!

Concluo em razão disto que a ´´Epístola aos Gálatas ´´ era dirigida aos cristãos-gálatas sob forte influência céltica ou bem de maneira pouco improvável esta atingiu outras regiões da Galácia para além dos primeiros núcleos de povoamento celta na região. De toda maneira resta cogitar se realmente, tal como Paulo de Tarso ansiava, esta influência céltica nas emergentes comunidades cristãs na Galácia perdeu seu espaço ou de maneira sincrética se ´´misturaram´´ ao cristianismo de maneira insuspeita .